Você precisa pagar 100 libras egípcias extras para entrar no Hall das Múmias Reais no Museu Egípcio do Cairo. Ali, em duas salas, estão as múmias de alguns dos reis e rainhas encontrados nos túmulos do Vale dos Reis, em Luxor. Uma delas, a múmia KV60, tem a identificação disputada. Apesar de ter sido encontrada no túmulo de uma serva, a posição dos braços (um deles cruzado, a indicação de um Faraó), inscrições no túmulo e exames de DNA do dente a identificam como Hatchepsut.
Para quem nunca viu uma múmia de perto, elas são bastante parecidas entre si, mas uma coisa chamou a minha atenção. As plaquinhas de reis como Ramsés I ou Tuthmosis III descreviam seus feitos e a idade em que morreram. A múmia de Hatchepsut falava apenas que aquela mulher havia morrido obesa, com problemas nos ossos e sem dentes. Uma descrição no mínimo simplista para uma história completamente fascinante.
Foto: Valerii Iavtushenko – Shutterstock
Quando falamos em rainhas do Egito, certamente Cleópatra é o nome que vem à cabeça da maioria das pessoas. Mas é Hatchepsut uma das mais importantes do Egito Antigo, com 22 anos de um próspero governo. Infelizmente, boa parte dessa história ficou milênios escondida porque (provavelmente) seu sucessor e o filho dele agiram para apagar o nome dela da lista de faraós.
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Os faraós e as mulheres no Egito antigo
Faraó, o título de rei do Antigo Egito, era aquele que concentrava em si toda a autoridade política e religiosa. Era o Deus na Terra, descendente do poder supremo de criação do mundo. Nas inscrições, os reis eram identificados como Hórus, um homem com uma cabeça de falcão.
No Egito antigo, o papel de mãe, irmã, filha ou esposa era considerado muito importante e não inferior. As mulheres tinham direitos e autonomia, podiam ter propriedades, ser herdeiras e participar de tribunais e transações comerciais. Não perdiam direitos com o casamento e nem no caso de um divórcio. Participavam da vida política e religiosa, poderiam ter uma profissão e exercer cargos de chefia. Na realeza, as Grandes Esposas Reais também eram depositárias da essência divina. Por isso, para manter o prestígio da família, os faraós desposavam suas irmãs e em diversas ocasiões a esposa atuava como regente.
Foto: Marcelo Alex – Shutterstock
A diferença de Hatchepsut para as outras rainhas é que ela não foi simplesmente regente. Ela se coroou Faraó com o apoio da nobreza e dos sacerdotes.
A história de Hatchepsut
Hatchepsut era filha do Faraó Tutmés I, nascida no ano de 1490 a.C. Ele não teve nenhum filho homem legítimo com sua Grande Esposa Real, a princesa Ahmés, mas considerava que sua filha deveria sucedê-lo, por uma série de motivos. Em primeiro lugar, Hatchepsut era a única que tinha o sangue real da XVIII dinastia, através da mãe, que era filha do Faraó anterior. Além disso, o oráculo divino, durante a festa de Amon, indicou ao rei que o Egito deveria pertencer a Hatchepsut. O próprio Faraó viajou ao delta do Nilo e anunciou aos súditos:
“Esta é a minha filha e eu a nomeio como minha representante. Também é minha herdeira do trono, sentar-se-á neste magnífico local e ela vos comandará.”
Foto: Marcelo Alex – Shutterstock
Apesar desse desejo, e de ter treinado a filha para o cargo de governante, seu sucesso no trono acabou sendo atribuído a Tutmés II, um dos filhos do imperador com uma concubina. Hatchepsut, como mandava os costumes daquele tempo, casou-se com o irmão, assumindo o papel de Grande Esposa Real.
O reino de Tutmés II não durou muito tempo, porém. Ele morreu três anos depois, período em que Hatchepsut teve duas meninas. Mais uma vez o sucessor escolhido foi o filho de uma esposa secundária, sem sangue real. Como Tutmés III ainda era uma criança, Hatchepsut assumiu a regência, aos 25 anos de idade. Mas eis então a grande diferença dessa rainha para todas as outras. No sétimo ano do reino de Tutmés III, ela adotou o título de rei, coroando-se Faraó de todo o Egito, assim, no masculino mesmo. Mais raro ainda é o fato de toda a classe dirigente ter aprovado uma mulher tomar o governo para si.
Mesmo sendo uma mulher Faraó, Hatchepsut manteve os atributos masculinos desse tipo de governante: nas estátuas feitas de si, é representada com a barba real, saiote e nemés, a cobertura divina do Faraó.
Foto: Kokhanchikov – Shutterstock
Os títulos que adotou também tinham a ver com a sua força pessoal – mais ou menos como aquela sequência de nomes enormes para Daenerys, em Game of Thrones: Hatchepsut, “a que está à cabeça das nobres damas”, Useret Kau, “a poderosa de kas”; Uadjet Renput, “a florescente de anos”; Netjeret Hau, “a divina de aparência”; Maatkaré, “o verdadeiro ka de Ré”.
Por fim, o argumento para sustentá-la no trono era de que ela nascera de uma união abençoada de sua mãe com o deus Amon, sendo aceita e abençoada por todos os deuses para ocupar o trono do Egito. Se o panteão de deuses a negasse, jogariam pragas no reino. Mas o oposto disso aconteceu e, por 22 anos, o Egito viveu um período de prosperidade e tranquilidade.
Talvez você esteja se perguntando o que aconteceu com Tutmés III enquanto Hatchepsut governava. Veja bem, ela não se livrou do sobrinho. Pelo contrário. No antigo Egito, a contagem do calendário iniciava com cada novo reinado. Ela não anulou o início do reinado de Tutmés III e prosseguiu a conta de dois Faraós conjuntamente. Alguns egiptólogos acreditam que a rainha estivesse preparando-o para assumir o trono sozinho. Ela, inclusive, casou sua filha mais velha com o sobrinho, garantindo a continuidade da linhagem. De certa forma, o jovem Faraó concordou com a situação, visto que cresceu e tinha idade para organizar resistência ao governo da tia, mas nunca o fez.
E então Hatchepsut morreu, mais ou menos aos 50 anos, em 1473 a.C. Tutmés III assumiu o poder num país próspero e o liderou de forma exemplar, talvez com as lições que aprendera com a tia. Porém, a partir do final de seu reinado, quando tornou-se co-regente junto ao seu filho e sucessor, Amenhotep II, foram feitos esforços para apagar vestígios do reinado de Hatchepsut, talvez pelo medo desse último de não ser considerado divino o suficiente.
Foto: Marcelo Alex – Shutterstock
A imagem e o nome de Hatchepsut foram destruídos das partes mais visíveis de monumentos e documentos. Assim, por milênios, ela desapareceu das listas de faraós do Egito.
Os Templos de Hatchepsut no Egito
Quando visitei o Museu Egípcio, no Cairo, nosso guia nos mostrou uma estátua de uma esfinge que representava Hatchepsut. Segundo o guia, ela foi a primeira Faraó a se representar com a figura.
A Capela Vermelha, em Karnak, foi um dos templos que Hatchepsut mandou construir no Egito. Entre as cenas gravadas na rocha, é possível reconhecer a figura da rainha com traços masculinos celebrando festivais. Numa rocha nesse templo também foi gravada a narrativa de seu pai, Tutmés I, ouvindo do oráculo divino que ela deveria suceder-lhe.
Outro templo que Hatchepsut mandou construir foi o funerário, o Deir El-Bahari, em Tebas (hoje Luxo, de onde são quase todas as fotos desse texto). Ali, um dos relevos mostra a concepção divina da rainha.
Foto: Marcelo Alex – Shutterstock
Também é nesse templo que se encontram os retratos do dia a dia que mostram Hatchepsut como a figura obesa que, milênios depois, foi usada para descrever a sua múmia. Esse tipo de representação não era convencional na arte egípcia. Existem também representações da rainha sem seios e com barba – historiadores acreditam que eram feitos para ausentar sua figura de fragilidade.
Fontes: National Geographic; Publico; Wikipedia
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Gostei muito de seu texto. Para quem gostou e tem interesse em saber mais, existe um livro, em 2 vol., que fala a historia dela, psicografado na forma de romance. “Historia de uma rainha” espirito Conde Rochester.
Que interessante Irudi. Obrigada pela indicação
Olá. Eu gostaria muito de realizar esse sonho que é conhecer o Egito … Mas infelizmente não tenho condições financeiras .
Oi Herika,
Não quero soar presunçosa, afinal, não sei das suas condições, mas o Egito é um país muito barato para viajar. Dá para gastar cerca de 30 dólares por dia (mais ou menos 100 reais)
gostaria ver coisas como vestimentas e como vivia,fiquei muito fascinada!!!
Adoro historias sobre faraos e rainha do egito
Oi Alzira, tb adoro essas histórias, infelizmente, só com uma máquina do tempo mesmo para saber muitos detalhes sobre ela
Excelente texto Luiza! Estive no Egito ano passado e me apaixonei pelos feitos da Rainha Hatchepsut. Grande Mulher!
Sim, incrível 🙂