Em um trecho do conto “Depois da Batalha”, Julia Lopes de Almeida conta que a Batalha de Tuiuti, ocorrida durante a Guerra do Paraguai e que se consagrou como a maior da história da América do Sul, havia durado de onze e meia até as quatro e meia da tarde. E naquele campo coberto de cadáveres “Brasileiros e Paraguaios mostravam as faces lívidas ao céu inclemente do inverno”.
Inspirados pelo conto, que foi enviado aos nossos assinantes do Clube Grandes Viajantes (saiba aqui como fazer parte!) resolvemos recontar a história do maior conflito da América do Sul, que durou de 1864 a 1870 e terminou com cerca de 400 mil mortos (mais da metade eram paraguaios).
A história da Guerra do Paraguai pode variar bastante dependendo da nacionalidade do seu interlocutor. É que quem venceu o conflito foram brasileiros, argentinos e uruguaios, que formavam a chamada Tríplice Aliança. E como vocês já sabem, a história é sempre contada pelo lado dos vencedores.
Mas basta conversar com um paraguaio para ouvir um lado diferente do conflito. Por lá, Francisco Solano Lopez é visto não como um ditador com sede de sangue, mas como um herói nacional. E os brasileiros por vezes são acusados de genocidas.
Charge no jornal brasileiro Semana Illustrada sobre a Guerra do Paraguai, em 1865
As tensões que levaram à Guerra do Paraguai
Os quatro países haviam se tornado independentes há poucas décadas e tinham ideias diferentes sobre o futuro da região. A pretensão do Império do Brasil era ser a força hegemônica da área. E a Argentina tinha as mesmas aspirações. Entraves à isso eram o surgimento e fortalecimento das nações do Uruguai e do Paraguai.
O Uruguai tinha dois partidos políticos. Os blancos, que estavam no poder e eram parceiros do Paraguai, permitindo que o país utilizasse o Porto de Montevidéu como saída para o mar. No entanto, os brasileiros tinham interesses diferentes e apoiavam os Colorados, liderados por Venâncio Flores. No fim de 1864, o governo imperial, a fim de apoiar um golpe colorado, invadiu o Uruguai.
Segundo o historiador André Toral, “López, por seu lado, planejava a redistribuição de poder na bacia do Prata. Através de uma esperada união de interesses com as separatistas províncias argentinas de Entre Rios e Comentes, e com os blancos depostos pelos brasileiros no Uruguai, sonhava em romper o isolamento de seu país através do porto de Montevidéu e contrapor-se às políticas de Buenos Aires e do Rio de Janeiro.”
A reação de Solano Lopez à invasão foi partir para o conflito. O historiador Ricardo Salles explica, à Biblioteca Nacional, que Lopez acreditava no numeroso contingente de seu exército. “Superestimando as dissensões internas na Argentina e no Brasil, após advertir que não admitiria a interferência brasileira, invadiu a província do Mato Grosso.” O ditador paraguaio também sequestrou um navio brasileiro e entrou no território argentino para chegar ao Brasil.
Todas essas ações resultaram na união dos governos brasileiro, uruguaio e argentino, que formaram a chamada Tríplice Aliança.
Notícias no jornal Semana Illustrada sobre o início da Guerra
Voluntários da Pátria
Chamava-se Adriano, era natural da Paraíba e órfão de pai e mãe. Aquele caíra baleado na guerra; Adriano acompanhara o pai como um cão acompanha o dono. Terrivelmente audaz e paciente, resistia sem queixas às agonias porque passava o exército: as caminhadas, a fome, a sede, o leito de pedras, ou as vigílias forçadas
O personagem do conto de Julia Lopes de Almeida, um menino paraibano que deseja ser lavrador e perde os pais numa guerra travada no Sul do Brasil, a muitos e muitos quilômetros de distância de sua terra natal, é um retrato bastante real sobre quem eram os soldados brasileiros na Guerra do Paraguai, cuja invasão começou no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso.
É que, inicialmente, o exército paraguaio era muito mais numeroso. O Brasil, na época, sequer tinha um exército organizado. Logo, o Império Brasileiro decretou a criação do corpo de Voluntários da Pátria: “Pelo decreto, aqueles que acolhessem ao chamado patriótico, uma vez obtida sua baixa, receberiam uma quantia em dinheiro e uma gleba de terra em colônias militares no interior do país. O número de voluntários que, num primeiro momento, se apresentou mostrou-se insuficiente”, escreve Salles.
Charge sobre os Voluntários da Pátria no jornal Semana Illustrada
Segundo Andre Toral, no artigo A participação dos negros escravos na guerra do Paraguai, “Ainda em 1865 iniciou-se o recrutamento forçado para formação dos Corpos de Voluntários da Pátria; e o termo voluntários tornou-se uma piada”. Desde alistamento forçado de oponentes políticos ao oferecimento de familiares para o alistamento, “os cidadãos do império dispunham de diversas formas de se esquivarem da convocação”, explica.
Quem tinha dinheiro poderia alcançar altos cargos no exército ou fazer doações de recursos ou escravos. A quem era pobre, “não restava outro recurso para escapar ao alistamento que a fuga para o mato”. Essas pessoas, principalmente das regiões Norte e Nordeste do Brasil, eram caçadas e despachadas para a guerra.
Além disso, Toral afirma que “a população brasileira em meados do século 19 era de aproximadamente dez milhões de pessoas, das quais uma quarta parte era constituída de escravos”. Logo, os negros faziam parte desse exercito.
Segundo o autor, “a compra de substitutos, ou seja, a compra de escravos para lutarem em nome de seus proprietários, tornou-se prática corrente. Sociedades patrióticas, conventos e o governo encarregavam-se, além disso, da compra de escravos para lutarem na guerra. O Império prometia alforria para os que se apresentassem para a guerra, fazendo vista grossa para os fugidos.”
Corpo de voluntários da pátria vindos do Ceará
Toral conta também que não só o exército brasileiro era composto por homens negros: “Soldados negros, ex-escravos ou não, lutaram em pelo menos três dos quatro exércitos dos países envolvidos. Os exércitos paraguaio, brasileiro e uruguaio tinham batalhões formados exclusivamente por negros. Como exemplos temos o Corpo dos Zuavos da Bahia e o batalhão uruguaio Florida. Escravos propriamente ditos, engajados como soldados, lutaram comprovadamente nos exércitos paraguaio e brasileiro.”
Batalha de Tuiuti e os mortos na Guerra do Paraguai
“A batalha de Tuiuti, ou da Lagoa Branca, tinha cessado, deixando o campo coberto de cadáveres. Avizinhava-se a noite, que prometia ser negra e fria. Todo o céu se rebuçava em nuvens negras, compactas, e o cheiro da pólvora vagava ainda no ar carregado da tarde.” Julia Lopes de Almeida
A maior e mais sangrenta das batalhas ocorreu no dia 24 de maio de 1866, em Tuiuti, no sudoeste do Paraguai. Os brasileiros eram liderados pelo General Osório. O conflito terminou com mais de 8 mil mortos e 12 mil homens feridos. Cerca de 90% das baixas foram dos Paraguaios, duramente derrotados.
Cadáveres paraguaios no campo de batalha
Apesar de no início da guerra o exército de Solano Lopez ser mais numeroso, também era despreparado e pouco estratégico. O conflito se estendeu por tantos anos menos pelo sucesso paraguaio nas disputas e mais porque o acordo da Tríplice Aliança era de que o conflito não terminaria enquanto Lopez não fosse capturado e morto.
A pior consequência de tantos anos de guerra foi que os exércitos paraguaios passaram a convocar pessoas cada vez mais jovens para os combates. Chegou um momento em que até mulheres e idosos foram alistados. O número de mortos entre os paraguaios é estimado entre 200 a 300 mil pessoas.
Fim da Guerra do Paraguai e suas consequências
Em 1869, o Paraguai já estava arrasado, a Argentina e o Uruguai já tinham retirado seus exércitos da Guerra, e o Brasil teve que substituir o comando de Duque de Caxias – cansado do conflito que já não se justificava, simplesmente deixou o cargo e voltou para casa – para o Conde d’Eu, esposo da princesa Isabel.
Os chamados “Mártires da Pátria”, brasileiros que comandaram os exércitos durante a guerra. Em destaque, Dom Pedro II
A cidade de Assunção já tinha sido tomada, mas ainda assim o exército brasileiro não conseguia capturar Solano Lopez – e insistia no conflito. Em agosto de 1869, ocorreu a última grande batalha da Guerra do Paraguai: a de Campo Grande, também conhecida como “Batalha de Los Niños” ou “Acosta Ñu” pelos paraguaios. Nessa disputa, 20 mil soldados brasileiros enfrentaram 3.5 mil paraguaios. Eram crianças e adolescentes. Um verdadeiro banho de sangue, que durou oito horas.
O que seguiu depois disso foi uma caçada a Solano Lopes, que finalmente terminou em 1° de março 1870, quando foi decretado o fim da guerra.
Manchetes de 1870, após o fim da Guerra. “Chico Diabo” é o apelido de José Francisco Lacerda, militar que matou Solano Lopez
O Paraguai não só perdeu parte do seu território e população, como permaneceu invadido pelos brasileiros por seis anos. É que a Argentina continuou se recusando a reconhecer a independência paraguaia até 1876. O Paraguai foi obrigado a pagar uma enorme quantia e essa dívida de guerra só foi perdoada no governo de Getúlio Vargas, nos anos 1940.
O endividamento do Império Brasileiro para manter uma guerra por 6 anos, mais o fortalecimento do exército, duas décadas mais tarde trouxeram a República.
Para saber mais sobre a Guerra do Paraguai
A Guerra do Paraguai, Luiz Octavio De Lima (Capa comum)
Maior confronto armado da história da América do Sul, a Guerra do Paraguai é uma página desbotada na memória do povo brasileiro. Passados quase 150 anos das últimas batalhas deste conflito sangrento que envolveu Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o tema se apequenou nos livros didáticos e se restringiu às discussões acadêmicas. Neste livro, fruto de pesquisas históricas rigorosas, mas escrito com o ritmo de uma grande reportagem, o leitor poderá se transportar para o palco dos acontecimentos e acompanhar de perto a grande e trágica aventura que deixou marcas profundas no continente sul-americano
Por uma narrativa repleta de lances surpreendentes, desfilam não apenas os governantes e líderes militares dos países diretamente envolvidos no conflito, que em momentos alternados viveram papéis de heróis e vilões, como ganham luzes as ações e os dramas de figuras menos conhecidas, mas igualmente fascinantes: a ardilosa amante do líder paraguaio Solano López; religiosos implacáveis; combatentes submetidos a dores e privações; mulheres e crianças testadas no limite da bravura; e escravos que viram na guerra o caminho para a liberdade. O livro também se ocupa de discutir (e algumas vezes desfazer) os mitos criados ao sabor dos ventos ideológicos que sopraram sobre o continente em diferentes períodos desde então. Saiba mais: https://amzn.to/3mczcuP
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Brasileiros filhos da puta , acabaron con un pueblo ,con las esperanzas de toda una generación y de sus descendientes ,algún día tendrán su karma ,del cuál no se podrán liberar
as guerras ficaram no passado!