“Esse é o lugar mais nerd em que eu já pisei”, essa foi a minha primeira impressão ao entrar no C-base, uma mistura de bar com lan house localizada no subsolo de um prédio em Berlim. O lugar, uma organização sem fim lucrativos que tem como objetivo aumentar o conhecimento e as habilidades relativas a software, hardware e redes de dados, serve de ponto de encontro para os praticantes do lock picking, a arte de arrombar cadeados.
A decoração do C-base parece ter saído dos cenários de uma produção barata de ficção científica dos anos 1990. Quem acompanhava as experiências de O Mundo de Beakman vai ter uma ideia clara do que eu estou falando. Tubulações pendem do teto, levando a lugar nenhum. Circuitos elétricos são expostos em molduras como quadros e as luzes coloridas de neon ajudam a criar a atmosfera futurista vintage.
Quem me convidou para a reunião estranha foi John, um amigo de um amigo que eu conheci alguns dias antes. Nos sentamos em torno de uma grande mesa redonda e pedimos cervejas. Aos poucos, outras pessoas se uniram a nós. Aquele poderia ser mais um happy hour entre amigos, não fosse a quantidade de chaves, ferramentas e cadeados sobre a mesa. Todas as quintas-feiras, John se reúne com outros interessados no esporte para treinar suas habilidades de lock picking. “Você só termina com um cadeado quando o abre três vezes, só depois você pode passar para outro”, disse ele, quando eu, feliz, consegui abrir meu primeiro cadeado após uns poucos minutos.
Foto: Shutterstock, de Likee68
O que a maior parte de nós vê como um elemento de segurança, os praticantes de lock picking vêem como um desafio. E com descrença: “Passei a ter muito mais cuidado com os cadeados que eu compro depois disso. Os da marca Abus são os mais difíceis de abrir, principalmente os mais antigos. Não é à toa que eles patrocinam torneios de lock picking, como uma forma de comprovar a qualidade deles”, explica John. “Eu não sabia que cadeados eram tão inseguros antes de começar a abri-los, há três anos”.
Ele conta que, uma vez, voltando para casa, sentiu o chamado da natureza apertar e se deparou com a porta do banheiro público do Treptower Park trancada. Não pensou duas vezes: tirou o kit de lock picking que carrega sempre na mochila e, em poucos minutos, o inconveniente estava resolvido. A habilidade também já o salvou de dormir para fora de casa. “Cheguei em casa e percebi que tinha esquecido a chave, mas consegui entrar porque tinha as ferramentas comigo”, relembra. Mas não pense que o mundo é uma porta aberta para os praticantes da atividade: há, entre eles, um código ético que proíbe abrir cadeados de outras pessoas ou sem a autorização delas.
Ferramentas utilizadas no lock picking. Foto: Shutterstock, Da Africa Studio
O kit que não sai da mochila de John, composto por 20 peças de formatos e tamanhos diferentes, foi comprado no próprio C-base por 25 euros, mas também pode ser facilmente adquirido na internet e é legal: “Dá para abrir cerca de 60% das fechaduras com essas peças”, explica ele.
Campeões de lock picking
O interesse pela atividade vem crescendo nos últimos anos. A prova disso é a proliferação de organizações e clubes de abridores de fechadura ao redor do mundo. A Toool, fundada em Amsterdam em 2002, já tem filiais em quatro países e prepara-se para abrir a quinta, na Noruega. Mas é nos torneios e competições de lock picking que a coisa deixa de ser um hobby para as tardes depois do trabalho e fica séria.
Nelas, abridores bem treinados disputam quem consegue abrir mais rapidamente os cadeados mais difíceis. O prêmio? Dinheiro, viagens com tudo pago e, claro, o prestígio dentro da comunidade. Nascido em Hamburgo, o alemão Arthur Bühl é provavelmente um dos nomes mais conhecidos do submundo do lock picking. Conhecido nesse círculo como Arthurmeister, ou Mestre Arthur, ele ganhou quase todos os torneios mais importantes da categoria, incluindo o título máximo da Alemanha, Master of the Universe. Durante uma competição na Holanda, ele conseguiu a proeza de abrir um Lips 8362C, considerado extremamente difícil, em apenas 20 segundos, o que garantiu a ele o prêmio. Participantes afirmam: para isso, ele com certeza não contou apenas com técnica, mas também com um pouco de sorte. Não existe cadeado seguro demais para os lock pickers mais eficientes.
Mas, se é assim, esse tipo de atividade não representa um risco para todos? Especialistas afirmam que, assim como na indústria de softwares, expor as vulnerabilidades dos cadeados pode forçar os fabricantes a investirem mais na segurança dos objetos. A prova disso foi a substituição das travas de bicicleta em formato de U da marca Kryptonite depois que, em 2004, um vídeo ensinando a arrombá-las usando apenas uma caneta BIC viralizou na internet. “Se você não torna público o problema, as empresas não vão resolvê-los e os consumidores ficarão à mercê de produtos de má qualidade”, afirma Bruce Schneier, diretor de tecnologia da segurança da empresa de telecomunicações britânica BT para a reportagem da CNET.
Inscreva-se na nossa newsletter
Eu pratico lockpicking já faz alguns anos, muito legal seu texto parabéns.
hoby estranho!
Bom dia Natália. Sempre leio as histórias que você conta agradavelmente.
Sempre que abro meu e-mail e vejo
360meridianos, já sei que vem coisas interessantes. Espero continuar recebendo sempre seus e-mails. Beijo no coração, saúde e sucesso nas suas viagens.
Olá Ester,
Que legal! Fico feliz que você goste dos nossos textos! Espero ver você mais por aqui 😉
Um grande abraço!