Os encantos da culinária andina

Pode não parecer, mas uma gigantesca cordilheira de montanhas causa profundas marcas culturais em nosso continente, não muito diferente do que o Himalaia faz com a Ásia. Brasileiros que somos, raramente pensamos nisso, afinal a altura máxima que pode ser alcançada em solo verde e amarelo é do Pico da Neblina, com seus 2994 metros.

Pouco, muito pouco, se comparado com a altitude média da Cordilheira dos Andes, que é de 4 mil metros. Menos ainda se a comparação é com o Aconcágua e seus 6960 metros, o ponto mais alto do mundo fora do Himalaia.

Tudo isso para dizer o óbvio: boa parte da população da América do Sul está acostumada a viver nas alturas. Essa América Andina tem muitas coisas fantásticas, a começar pelas paisagens. E, claro, também por conta da culinária andina, que até hoje tem traços incas.

Cuesta del Obispo

Estrada na Cordilheira dos Andes da Argentina

Vai uma lhama?

Na América Andina, a lhama é pau para toda obra. Serve para transporte de carga e fornece lã e couro. Vira atração turística, sendo o animal símbolo dessa parte do continente. Fato que não impede que as lhamas assumam também a função de almoço.

Provei carne de lhama pela primeira vez em San Antonio de los Cobres, uma cidade de cinco mil habitantes que fica no norte da Argentina. A experiência teve certa carga dramática. Não fosse a insistência do guia turístico que nos acompanhava, eu teria preferido um prato bem menos típico.

Não que a lhama tenha sido uma refeição ruim, longe disso. O problema é que paramos para almoçar logo depois que passamos alguns minutos interagindo com duas lhamas, na beira de uma estrada. “Antes você tirou uma foto com elas. Agora você almoça elas”, disse um turista francês.

Norte da Argentina

É claro que não eram as mesmas lhamas, mas não é exatamente agradável pensar por esse ponto de vista. De qualquer forma, assim fica ainda mais evidente a importância que a lhama tem na cultura andina. Sim, hoje as lhamas são animais muito usados no turismo. Mas não só isso. Segundo dados do governo, 10% da carne consumida na Bolívia é de lhama, número que cresce bastante nas vilas andinas.

Além da carne de lhama, também é muito comum o consumo de carne suína e de vacas, assim como frangos. As cabras também entram na dieta, tanto no asado de cabrito como também nos tradicionais queijos de cabra.

Tirando as carnes, a culinária da região é baseada em milho, abóbora e na quinoa, uma planta nativa dos Andes e usada na culinária local há milênios. Feijão, tomate, pimentão e cebola também têm o seu lugar. Mas a rainha é a batata, claro, que já era o produto mais comum por ali quando os incas mandavam no pedaço. Há quem diga que os incas aprenderam a cultivar milhares de tipos de batatas, sendo que algumas delas teriam desaparecido junto com o império.

Mas uma sucessão de ingredientes não faz nem mesmo um prato imaginário, certo? Por isso, bora conhecer alguns dos pratos mais tradicionais da culinária andina?

Veja também: 12 comidas imperdíveis da Argentina 

Viaje na história dos Incas

Comida andina

Locro

Viu a palavra “locro” no cardápio e não sabe do que se trata? É um ensopado muito comum no norte da Argentina e também no Peru e na Bolívia. É feito com abóbora, milho, cebola, feijão e carne, normalmente de porco, além de outros produtos. Olha ele aí:

Culinária Argentina

Foto: Stevage, Wikimedia Commons

Cazuela de llama

Mais um ensopado, mas dessa vez a estrela do prato é a lhama. Além da carne, o prato pode ter batata, arroz ou farinha de milho. E uma curiosidade: embora a carne de llama seja um ingrediente tipicamente andino, a cazuela é um prato comum em várias partes da América do Sul e também na Espanha. A palavra cazuela significa prato, ou o recipiente de barro em que o ensopado é servido.

Cazuela de llama - Norte da Argentina

Asado de cabrito

Não tem muito segredo: esse é o tradicional churrasco, tão presente no Brasil e em outros países na América do Sul. Neste caso, o prato principal é o cabrito. Não encaramos a comida, mas quem viaja pela região andina, como o norte da Argentina e partes do Chile, não costuma ter dificuldade de achar essa opção no menu.

O famoso cuy

Todo mundo que vai ao Peru fica em dúvida quanto ao cuy. Um dos pratos mais tradicionais da culinária local assusta estrangeiros. É um porquinho-da-Índia preparado aberto e pururucado.

Mesmo sendo parte de culinária local desde os incas, que enfiavam uma pedra quente dentro da carne do animal para cozinha-lo, confesso que preferi me abster desse prato.

Veja também: As delícias da culinária peruana

Comida andina

Foto: Robert Ennals, Wikimédia Commons

E a sobremesa?

Uma fatia de queijo de cabra servida com mel. Essa é uma das sobremesas mais típicas da América Andina, uma combinação não muito diferente da goiabada com queijo que temos aqui em Minas.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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4 comentários sobre o texto “Os encantos da culinária andina

  1. Acho que foi por causa das lhamas que me tornei vegetariana. Imagina só, eu estava tão acostumada a ver e comer vaquinhas que precisei ir aos Andes para fazer o mesmo raciocínio do turista francês. Não foi tão óbvio para mim na hora, mas voltei da minha viagem por Peru e Bolívia vegetariana. 😉

    1. Eu já passei meses comendo zero carne e atualmente tento evitar ao máximo.

      Mas ando pensando em parar completamente. E por um motivo muito parecido com o seu. 🙂

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