Parados em círculo do lado de fora de um bar na Cidade do México, todos observávamos Luís, o saxofonista da banda de ska que entraria no palco mais tarde, tirar o galão de plástico de dentro da mochila. “Esse”, disse ele, abrindo a garrafa e dando o primeiro gole “é o verdadeiro pulque. O que vendem aqui na capital é uma mentira diluída em água e saborizada para agradar os hipsters”.
Nascido em Chiapas, no sul do país, Luís é um apaixonado pelo pulque, uma bebida alcoólica muito consumida em diversas partes do México desde pelo menos 1500 anos antes da chegada dos espanhóis. “Ele pode facilmente tomar uns cinco litros por dia”, disseram seus companheiros de banda. “Hoje vocês vão beber como um verdadeiro mexicano”, avisou Luís, enquanto passou o galão para o seguinte na roda.
Eu agarro o galão quando chega a minha vez. É assim que se faz por ali: beber direto da jarra. A bebida é branca, opaca e viscosa e tem um sabor ácido que me lembra um pouco o yakult. Obtido através da fermentação do aguamiel, o mel extraído das folhas do agave pulquero, uma variação da planta nacional por ali conhecida como maguey e da qual também se fabrica o mezcal e a tequila, o pulque continua fermentando mesmo depois de pronto e até mesmo dentro seu estômago. Por isso, embora não tenha um teor alcoólico alto – varia entre 2% e 8%, quanto mais fresco, menos álcool – a onda pode chegar horas depois de consumido o produto. “Você pode beber pulque o dia inteiro e não sentir nada. De repente, puff, vem o efeito”, conta Luís.
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O pulque é fabricado com o mel extraído das folhas do maguey. Foto: Shutterstock.
Nos tempos pré-coloniais, o pulque tinha status sagrado. Era oferenda aos deuses, consumido por sacerdotes em rituais e era considerado a cura para doenças como diabetes e insônia. Foi também um importante componente da alimentação de diversas populações indígenas, graças a seu alto valor nutricional que ajudava a evitar a desnutrição em áreas áridas e que sofriam com a escassez de alimentos. Foi usado como analgésico, afrodisíaco e como uma forma de aumentar a lactação em gestantes.
Luís fabrica seu próprio pulque com o avô, e o fazem de maneira tradicional. Eles mesmos se encarregam de extrair o mel do maguey e de colocar o pulque para fermentar em casa, em Chiapas. O processo de produção é uma arte que exige tempo e paciência: é preciso esperar entre oito e doze anos até que o agave pulquero esteja pronto para virar pulque.
A fermentação começa imediatamente após o corte da planta e pode continuar por quatro meses até que esteja pronta para consumo. E, depois de tanto trabalho, a bebida tem vida curta: dura no máximo cinco dias quando armazenada em temperatura ideal, entre 5 °C e 7 °C, mas o melhor é consumi-la nas primeiras 24 horas, quando o frescor deixa a bebida mais saborosa.
Pulqueros de carteirinha como o Luís tornaram-se cada vez mais raros no México, depois que a bebida passou a ser associada a operários e classes baixas, o que produziu rechaço entre as classes médias urbanas. Isso também foi motivado pela falta de padrões de qualidade e higiene na produção artesanal da bebida no passado, fatos que ajudaram a dar má fama ao pulque.
De acordo com Raúl Cervantes, gerente de marketing do grupo de restaurantes La Marisquita e pulquero de coração, em entrevista para o Infobay, antigamente corriam históricas de que fezes de animais eram usadas para acelerar o processo de fermentação. Com tantas más línguas por aí, na metade do século 20 o pulque já havia sido substituído pela cerveja como preferência nacional.
Pulque gourmetizado ganha novo status entre jovens e turistas no México. Foto: Shutterstock.
A volta por cima da bebida só foi ocorrer há cerca de cinco anos, diante de uma forte onda de valorização da autenticidade da cultura mexicana. Jovens e turistas passaram a se interessar pela experiência de beber o líquido sagrado dos deuses astecas e novas pulquerias voltadas para um público mais urbano e modernete se juntaram àquelas que existem há décadas na Cidade do México.
Com quatro andares, um set list que vai do rock ao reagge, a Pulqueria Los Insurgentes, localizada na colonia hipster de La Roma, é uma das que vieram para atender a essa nova demanda. O lugar funciona como bar descolado e, para agradar o paladar dos clientes, serve “pulques finos”, que vêm saborizados com diferentes frutas e grãos, como aveia, maracujá e nozes. Além do pulque, também constam no cardápio outras bebidas, como cerveja e mezcal; e nachos, batatas-fritas e outras comidinhas de bar.
Já as pulquerias tradicionais em geral funcionam durante o dia, têm muito mais cara de boteco e muitas delas já estão em funcionamento há décadas. Mesmo que tenham passado por uma reforma aqui, outra ali, para dar conta de seu novo público, como a Las Duelistas, ainda recebem seus clientes fieis, gente que não abandonou o pulque nem quando ele estava na pior.
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Confesso que sou receosa com comidas exóticas, mas pensando no peso histórico e o gosto de Yakult deu vontade de experimentar…rs Quem sabe na próxima trip? Obrigada pela dica!
Roberta, eu era super assim também, fazia a maior cara feita. Até que eu vi que estava perdendo experiências legais. Se não gostar é só não comer mais, não é?
Abraços!
Achei muito interessante a história do pulque, fiquei com vontade de voltar ao México e experimentar 🙂
É uma experiência diferente, haha!
Nunca tinha ouvido falar no pulque, quando for ao México quero experimentar! Gosto muito de saber da história por trás das bebidas e comidas típicas dos lugares!
Ei Lid, isso também me fascina. A comida é uma das maiores expressões culturais de um povo. Experimenta sim, mas aconselho o saborizado, pq desce mais suave no nosso paladar (quando saborizam com frutas fica igual yogurte, hahaah)
Nossa nunca tinha ouvido falar sobre pulque e depois de ler seu post fiquei morrendo de vontade de experimentar!!!!
Se for provar, prova o saborizado, que é mais gostosinho…
Abraços!
Natália, que loucura essa bebida. Adorei conhecer um pouquinho da história dela. Fiquei aqui imaginando, vc bebe tá lá tranquila e de repente… puff… doidona! Kkkk… Confesso que fiquei mto curiosa! 🙂
hahahha dizem que é bem assim mesmo, mas tem que beber bastante. Eu tomei uns golinhos da primeira vez e um copo de 500 ml da segunda, fez nem cócegas… hahah
Que interessante esse relato! Uma bebida tão antiga e que já teve status de sagrada, hoje é consumida normalmente. Fiquei com vontade de experimentar, principalmente porque tem um gosto parecido com o Yakult.
Os que tem sabor a fruta parecem yogurt. São melhorzinhos hahaha