As câmeras de segurança do estacionamento de um supermercado em Bremen, Alemanha, captaram toda a ação. Em junho de 2015, descreve o The Independent, três indivíduos com os rostos cobertos com máscaras e segurando suas Kalashnikovs – uma pesada arma russa – abordaram o motorista de um carro-forte ao mesmo tempo em que acionavam um sofisticado aparelho capaz de bloquear todos os sinais de telefone em um raio de 60 metros. “Isso é um assalto! Saiam do carro”, bradaram eles. O motorista, preso pelo robusto sistema de segurança do veículo, respondeu “Não podemos abrir as portas, o sistema não deixa”. O plano havia sido frustrado. A única saída para os assaltantes era retirarem-se dali, com as armas entre as pernas.
A polícia acreditava estar lidando com criminosos comuns, talvez um pouco atrapalhados e inexperientes, mas uma análise de impressões digitais e resquícios de DNA encontrados no local do crime revelou que se tratava de Danielle Klette, Ernst-Volker Wilhelm Staub e Burkhard Garweg, ex-membros da terceira e última geração da Fração do Exército Vermelho (RAF), uma organização radical de esquerda que atuou na Alemanha entre 1967 e 1998.
Um ataque semelhante se seguiu em Wolfburg, em dezembro do último ano, e outra vez os mascarados tiveram os planos frustrados por aparatos modernos de segurança. Os guerrilheiros, que um dia foram muito bem treinados em táticas de guerra e todos já com seus 60 anos nas costas, foram parados pela tecnologia atual.
A série de ataques despertou rumores sobre uma possível volta de um dos grupos mais ativos entre os muitos coletivos radicais que surgiram na Alemanha no pós-guerra. Mas a polícia tem outra teoria para os assaltos: obrigados a viver na clandestinidade para escapar da prisão, os membros remanescentes da RAF, também conhecida como Baarder Meinhof, estão desesperados em busca de dinheiro para se financiarem desde as sombras.
Mas que história é essa de RAF?
“Não se discute com a geração que criou Auschwitz!”. A frase é atribuída a Gudrun Ensslin, uma das fundadoras do grupo, ao justificar o motivo pelo qual a fração debandou para a guerrilha urbana e a violência. A oposição ao nazismo – por cujo êxito culpavam a geração de seus país – e ao imperialismo americano eram os pilares que sustentavam a ideologia da RAF.
A formação do grupo, no entanto, ocorreu mais ou menos como ocorre esse tipo de movimento em todas as partes: uma sociedade com tensões sociais crescentes e um estopim – nesse caso, a violência policial aplicada em um protesto contra a visita de Xá do Irã a Berlim.
Nesse dia, membros do movimento estudantil foram presos injustamente, o que chamou a atenção da jornalista de um veículo de extrema esquerda, Ulricke Meinhof. Ao notar o interesse, Andreas Baader e Gudrun Ensslin passaram a corresponder-se com ela desde a cadeia e marcaram uma entrevista. O encontro, na verdade, fazia parte de um plano de fuga arquitetado pelos dois e, durante o escape, Ulricke Meinhof acabou decidindo juntar-se a eles na clandestinidade. Assim nascia a primeira geração da Fração do Exército Vermelho. A luta armada, no entanto, só veio anos mais tarde, quando um jovem líder político de esquerda sofreu um atentado das mãos de um reacionário, insuflado pelas frequentes críticas por parte dos meios de comunicação.
O grupo se inspirava nas guerrilhas sul-americanas e, entre 1970 e 1998, foram responsáveis por numerosos ataques a bomba, assaltos e sequestros – entre eles, do prefeito de Berlim – e pela morte de 34 pessoas, incluindo embaixadores, policiais e militares.
Após três gerações, o grupo anunciou sua dissolução em 1998. Muitos de seus membros foram mortos, se suicidaram ou “foram suicidados” na cadeia. Os que sobreviveram ainda vivem uma vida de clandestinidade, por serem considerados foragidos da justiça. Muitos deles nunca foram encontrados e a responsabilidade pelos atos da RAF permanece um segredo, já que eles sempre assumiram a autoria coletiva de seus atos, nunca revelando quem estava envolvido diretamente nos ataques.
Sede de treinamento
Ainda hoje, em Berlim, está a casa que serviu como sede de treinamento da Fração do Exército Vermelho. O lugar é uma casa anexa ao museu de arte alternativa Bethanien, no bairro de Kreuzberg. Permanece como uma ocupação e, embora seja a casa de pessoas, possui um bar e abre suas portas para receber concertos de punk.
Baarder Meinhof Blues
“Essa justiça desafinada é tão humana e tão errada”. Os versos foram cantados por Renato Russo, em uma canção cujo nome homenageia o grupo radical. Passados os anos, a figura da Facção do Exército Vermelho tornou-se um fenômeno cultural, tendo seu nome e imagem exaltados em músicas, filmes, livros e camisetas.
Em 2008, o diretor alemão Uli Edel trasladou a história aos cinemas com o filme O Complexo de Baarder Meinhof. O longa causou furor na opinião pública. De um lado, estão os que pensam que a romantização da violência e a exaltação dos guerrilheiros como heróis banaliza um período sangrento da história do país e que sua luta ideológica não justificava o uso de armas. De outro, há os que pregam que não há como vencer o sistema de forma pacífica e que os instrumentos políticos de mudança são controlados pelos grupos dominantes, deixando pouca margem para vencer a arbitrariedade dos governos.
Passando longe desse juízo de valor, o fato é que a RAF pode ser comparada, em menor proporção, ao fenômeno que alçou Che Guevara a ícone pop, despertando curiosidade de milhares de pessoas que querem conhecer mais a fundo sua história e os motivos e ideologias que levam estudantes universitários de classe média a optar por uma vida de clandestinidade. Afinal, como bem cantou um ídolo de nossa geração na música citada: “A violência é tão fascinante”.
Saiba mais sobre a Fração do Exército Vermelho (RAF)
- In Love with Terror – Documentário da BBC disponível no Youtube
- O Complexo de Baarder Meinhof (2008)
- O Complexo de Baarder Meinhof, livro que inspirou o filme, de Stephen Aust
- Site de um historiador que se dedica a reunir informações sobre o tema
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