Comumente utilizada para se referir a países tropicais com instituições frágeis e nem sempre democráticas, consequente instabilidade política e economias baseadas na produção agrícola, a expressão república das bananas tem uma origem bastante polêmica.
“Olhe a confusão em que fomos nos meter apenas por convidar um gringo para comer bananas”, disse o personagem Aureliano Buendía após ver sua querida Macondo à beira da ruína pela Banana Company, no livro Cem Anos de Solidão.
Que o realismo fantástico não pudesse encontrar melhor casa nesse mundo que a América Latina já se sabe há muito, e Gabriel García Márquez nunca precisou olhar para longe de seu quintal para encontrar inspiração para suas narrativas do absurdo.
Assim como ocorreu em Macondo, um norte-americano viajou rumo ao sul do continente, se instalou ao lado de uma linha de trem e começou uma inocente plantação de bananas que, mais tarde, se transformaria na United Fruit, uma multinacional conhecida em todo o mundo por criar o conceito de República das Bananas e por mudar os rumos políticos econômicos de todo um continente.
A primeira República das Bananas
O nova-iorquino Minor C. Keith não tinha mais que trinta anos quando começou a cultivar as primeiras mudas de bananeira ao longo da linha de trem que ligaria San José, a capital da Costa Rica, a Limón, na costa atlântica, no início da década de 1870. A princípio, sua ideia aproveitar o clima favorável da região para produzir alimento barato para os operários que trabalhavam na construção da ferrovia próxima ao litoral, a parte do projeto pela qual era ele o responsável.
Ele não demorou a perceber o potencial lucrativo da planta, que, na época, era pouco conhecida fora de suas áreas nativas. Com a finalização das obras da ferrovia, ele fundou a United Fruit e passou a exportar banana para os Estados Unidos e Europa a preços convidativos, criando também demanda para a linha de trem da qual ele próprio era um dos investidores.
Assim como ocorreu em Macondo, no começo a instalação da United Fruit na América Central parecia uma benção: havia trabalho, investimento em infraestrutura e uma visível melhora na qualidade de vida das populações ao longo do Atlântico. No final da década de 1930, a empresa já havia se expandido por 1,44 milhões de hectares e ultrapassou as fronteiras da Costa Rica, chegando a Guatemala, Honduras, Panamá e Colômbia.
A presença da companhia ainda é tão forte na região que naquelas bandas é chamada apenas de Yunai. Mas havia um limite muito bem marcado para o tanto que a empresa estava disposta a deixar que esses países se desenvolvessem: o progresso, o fortalecimento das instituições e da economia não interessavam a Yunai. Para eles, país bom era país dependente, fraco e, de preferência, com mão de obra bem barata.
Com o controle da terra e dos meios de transporte (além do ferrocarril, Keith também possuía empresas de transporte marítimo) e o controle político entre os governos da região, que ele tratou de assegurar ao se casar com a filha do presidente da Costa Rica, a empresa assumiu praticamente sozinha o controle do mercado e transformou a banana em um dos alimentos mais consumidos no mundo.
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Chegar lá, no entanto, teve seus custos. A maior parte deles pagos não pela própria companhia, mas pelos países nos quais ela estendeu seus tentáculos. A Gran flota Blanca de barcos refrigerados que eram usados para transportar as bananas estiveram presentes nas duas Guerras Mundiais, no golpe de estado promovido pela CIA na Guatemala, em 1954, e na tentativa de invasão dos Estados Unidos à Cuba em 1961.
Em comum com essas intervenções, políticas e governos que relutaram em ceder às exigências da companhia. Peter Chapman, autor do livro Banana. Como A United Fruit Company Mudou o Mundo (tradução livre), afirma que a empresa esteve metida em mais golpes de estado e mudanças de regime em prol de seu negócio que os que ocorreram até hoje por causa do petróleo. Ninguém se metia nos interesses na United Fruit e saia ileso por isso.
De todos esses desmandos, o golpe da Guatemala foi o que talvez tenha deixado cicatrizes mais profundas. Sob o pretexto de afastar a ameaça comunista, o governo de Jacobo Arbenz Guzmán foi substituído por uma ditadura militar sanguinária que durou quatro décadas, desencadeou uma guerra civil e contabilizou 140 mil desaparecidos e 250 mil mortes. Curiosamente, o golpe tomou forma após o governo propor uma reforma agrária que ameaçava terras da United Fruit, que na época controlava as telecomunicações e o porto do país.
Gabriel García Márquez nasceu em Aracataca, uma pequena cidade do enclave bananeiro da Colômbia, e viu de perto a influência da companhia na política do país. Ele não foi, no entanto, o único Prêmio Nobel de Literatura a denunciar a United Fruit em sua obra. O guatemalteco Miguel Ángel Asturias dedicou nada menos que uma trilogia (Viento Fuerte, El Papa Verde e Los ojos de los enterrados) para criticar os obstáculos que a empresa colocava no progresso de seu país.
Pablo Neruda era admirador público da obra de Carlos Luiz Fallas “Calufa”, um escritor ativista costa-riquenho que tratou das precárias condições trabalhistas enfrentadas pelos camponeses empregados pela United nos campos de Limón, na novela Mamita Yunai. E em um poema que leva o nome nada sutil de La United Fruit Co., o poeta chileno diz:
“Bautizó de nuevo sus tierras
como ‘Repúblicas Bananas’, y sobre los muertos dormidos, sobre los héroes inquietos que conquistaron la grandeza, la libertad y las banderas, estableció la ópera bufa: enajenó los albedríos
regaló coronas de César, desenvainó la envidia, atrajo la dictadora de las moscas, moscas Trujillos, moscas Tachos, moscas Carías, moscas Martínez, moscas Ubico, moscas húmedas de sangre humilde y mermelada, moscas borrachas que zumban
sobre las tumbas populares, moscas de circo, sabias moscas entendidas en tiranía”
Hoje, a United Fruit responde pelo nome de Chiquita Brands International. Sua nova roupagem, no entanto, não representa necessariamente uma nova forma de fazer negócios. Em 2007, a empresa admitiu ter financiado grupos paramilitares de extrema direita na Colombia entre 1997 e 2004.
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E lá está o melhor livro do mundo representando novamente. Já quero ler outra vez!
Ah, vc já leu A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende? Mais um clássico que fala dos problemas da América Latina, dessa vez retratando o golpe militar do Chile. A autora é sobrinha de Salvador Allende. Li o livro na época das últimas eleições presidenciais do Brasil e foi de revirar o estômago.
Bia, esse também é meu livro favorito! Faz muitos anos que não o leio, também me deu vontade de repetir a leitura.
Já li A Casa dos Espíritos também, gostei muito. Imagino que ler no contexto que você leu seja ainda mais significativo. 🙂
Abraços!
UAU! Não conhecia essa história, obrigada! Vou procurar os livros!
Eu também só fui saber quando comecei a conversar com pessoas moradoras da zona bananeira na Costa Rica, Patrícia, e fui pesquisar mais a fundo. É uma história muito interessante e mostra o poder político das grandes empresas…
Abraços e obrigada por comentar!
Obrigada Natália por compartilhar essas informações!!! Gostei muito do texto!!
Obrigada, Margarete. é um prazer!
🙂
Que texto excelente!! Parabéns.
Instrutivo, bem escrito, relevante.
Obrigada, Geovana!