Eu já queria ser amiga da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie antes mesmo de começar a leitura de Americanah. Muitas vezes eu me torno bestie imaginária dos meus escritores favoritos e, com ela, essa amizade veio antes mesmo de eu abrir a primeira página do primeiro livro dela que eu li.
Nossa história começou muito antes da literatura, com a incrível palestra do TED “O perigo da história única“, que eu não me canso de indicar aqui no blog, e continuou com o discurso “Sejamos todos feministas“, que ela também deu para o TED.
Depois de tanta intimidade, eu já comecei a ler Americanah com grandes expectativas. O livro conta a história de um jovem casal nigeriano, que se conhece na escola e tem os destinos separados no início da vida adulta: a menina, Ifemelu, consegue uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Ele, Obinze, se muda para a Inglaterra em busca de uma vida melhor que a que o seu país poderia oferecer. Mas, para além do pano de fundo amoroso, Americanah é um romance sobre as relações raciais, identidade e sobre a solidão de se sentir sempre um estrangeiro em uma cultura diferente da nossa.
Saiba mais sobre o livro Americanah, de Chimamanda Adichie
Obinze tem que lidar com os perrengues da imigração ilegal e aprender o gosto amargo que fica na boca de quem sempre teve do bom e do melhor ao ter que lidar com empregos abusivos e aproveitadores por causa de sua situação frágil. Por fim, enfrenta a derrota de ter que voltar para casa sem nada, quando o sonho do primeiro mundo dá errado.
Seguindo os dois pontos de vista da narrativa, acompanhamos Ifem se adaptar à vida como estudante universitária nos EUA, onde ela permanece por mais de dez anos. Recusada em vários empregos, ela passa por apertos financeiros e por dificuldades em se inserir na vida do campus. Seus colegas pareciam ignorar que o inglês era a língua oficial de Nigéria ou, na melhor das hipóteses, comparam sua experiência de vida com a dos negros americanos sem enxergar que são absolutamente distintas.
De personalidade e opiniões fortes, Ifemelu cria um blog para compartilhar suas visões da sociedade americana, o Raceteenth, or Various Observations About American Blacks (Those Formerly Known as Negroes) by a Non-American Black. O livro começa, então, a ser permeado de textos escritos por ela, muitas vezes polêmicos, o que adiciona outra camada à narrativa.
Durante o processo de escrever o blog, Ifem acaba se impondo também algumas reflexões sobre comportamentos que antes eram naturalizados nela, como o processo de alisar o cabelo para se conformar a uma estética branca.
Um momento particularmente marcante do livro é quando Ifemelu explica que foi apenas nos Estados Unidos que ela descobriu o real conceito de raça: “A única razão pela qual você diz que raça não é um problema é porque você gostaria que não fosse. Todos nós gostaríamos disso. Mas é uma mentira. Eu vim de um país onde raça não é um problema; e eu nunca me vi como uma negra, eu só me tornei negra quando vim para esse país” (tradução livre).
Saiba mais sobre o livro Americanah, de Chimamanda Adichie
É com frases assim, marcantes, que nos fazem ver questões que debatemos todos os dias de uma outra órbita, que Chimamanda insere temas importantes de forma complexa e multifacetada, mas sem perder o ritmo da narrativa ou correr o risco de tornar a história pedante ou chata.
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