Mergulhar na leitura de Toda a América é como embarcar em uma viagem pelo continente. Das luzes da Broadway às montanhas andinas, das roupas coloridas dos mexicanos aos indígenas do agreste brasileiro, Ronald de Carvalho faz uma pintura viva da diversidade e riqueza cultural do Novo Mundo.
Toda a América divide-se em três partes: Advertência, Cartas e Jornal dos Planaltos. A primeira é um chamado ao europeu para conhecer o continente americano: “Europeu! Filho da obediência, da economia / e do bom senso / tu não sabes o que és ser Americano!”.
Na sequência estão 21 poemas que fazem referência e homenagem a algum lugar da região, ressaltando características naturais e culturais que lhe chamam a atenção, bem como as cenas do cotidiano desses espaços. Quase sempre acompanhados de dedicatórias, os poemas lembram um diário de viagem ao mesmo tempo em que podem ser lidos como cartas ou postais-poéticos a amigos.
Ao longo de todo o livro, é possível perceber a forte inclinação ao panamericanismo, uma das marcas no movimento modernista brasileiro, do qual o autor foi grande entusiasta e colaborador. Essa tendência, coroada pelo poema final “Toda a América”, defendia a visão do continente de forma integrada, diluindo as fronteiras locais para adotar um nacionalismo mais amplo, deixando de lado a influência europeia.
Ao lado desse sentimento de pertencimento, ao se colocar na posição de explorador das Américas, Ronald assume também a posição do outro, do estrangeiro que descobre os destinos explorados com encantamento e estranheza típicos dos viajantes, ainda que essa descoberta seja em recantos do próprio Brasil.
Ronald de Carvalho transita entre aquilo que lhe é familiar e distante, entre o local e o global, entre o detalhe e o panorâmico, e evidencia, por meio de seus poemas, a enorme complexidade do continente em todas as suas facetas.
Publicada pela primeira vez em 1926, a obra se insere no contexto da geração de 1922, da qual Ronald de Carvalho foi um participante ativo, tanto pelo seu trabalho artístico quanto divulgando as produções nacionais no Brasil e exterior. As dedicatórias dos poemas homenageiam outros poetas, pintores e musicólogos desse movimento, como Mário de Andrade e Ribeiro Couto.
Com edições posteriores, o trabalho que consagrou Ronald de Carvalho como poeta é a edição de Maio do Clube Literário Grandes Viajantes.
Ronald de Carvalho: um brilhante esquecido
Poeta, ensaísta, crítico, jornalista, historiador, diplomata e um viajante capaz de observações sensíveis e sagazes, Ronald de Carvalho nasceu no Rio de Janeiro, em 1893. Considerado um dos mais importantes nomes no modernismo brasileiro, conciliou a literatura com a carreira diplomática durante grande parte de sua vida. Poeta de inspiração simbolista e parnasiana, Ronald publicou seu primeiro livro, “Luz Gloriosa”, em 1913.
Perdeu o pai com apenas um ano de idade, executado ao lado de um tio pelo então presidente Floriano Peixoto, depois que ambos participaram da Revolta Armada, que tentava destituí-lo. Concluiu os estudos secundários aos 14 anos, e começou a colaborar como jornalista para o Diário de Notícias, de Ruy Barbosa, aos 17.
Passou um tempo na Europa, onde estudou Filosofia e Sociologia em Paris. Em Portugal, foi diretor do primeiro número da revista literária Orpheu ao lado do poeta Luís de Montalvor. Lançada em março de 1915, a publicação é considerada fundamental na introdução do modernismo no país. A edição contou com a participação ilustre de Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro Campos, com os poemas “Opiário” e “Ode Trinfal”, consideradas duas obras-primas do autor. O próprio Ronald contribuiu com cinco poemas simbolistas e cultivou amizade com o famoso poeta português, a quem presenteou com um de seus livros.
Voltou ao Brasil a tempo de atuar ativamente entre os membros da chamada geração de 1922, sendo um dos participantes da Semana de Arte Moderna. E também anfitrião de encontros entre artistas renomados da época para discutir política, literatura e arte brasileira nas noites de terça.
“Havia um escritor que todos os salões disputavam – dos de Laurinda Santo Lôbo, Eugenia e Alvaro Moreyra e Coelho Netto, aos da Academia Brasileira de Letras, a que ele não pertencia, e do Itamaraty, que era sua segunda casa, até o da sua própria casa, no Humaitá. Os mais velhos o tinham como filho; os mais novos, como um irmão. ‘Exato como um erudito e fino como um artista’, dizia dele Aggripino Grieco – um dos poucos que Grieco poupava de suas frases mortíferas. Chamava-se Ronald de Carvalho.”
Ruy Castro, Metrópole à Beira-Mar: o Rio moderno dos anos 20
Nos anos seguintes, viajou ao México por duas vezes para participar de conferências e difundir a arte moderna brasileira. Em função diplomática, foi recebido como hóspede de honra do governo mexicano e recolheu ali impressões que derivaram em parte dos poemas de Toda a América. E também no livro Estudos Brasileiros, uma reunião das palestras que realizou e que foi publicada em três séries.
Morreu de forma trágica, aos 41 anos de idade, em um acidente de automóvel no Rio de Janeiro. Na época, era secretário do presidente Getúlio Vargas.
Embora tenha sido considerado um nome valioso para a literatura brasileira em sua época, Ronald de Carvalho foi aos poucos sendo esquecido pelo cânone. Novas edições de seus livros são incomuns, assim como informações e estudos sobre sua vida e suas obras. Além de Toda a América, Ronald deixou outros trabalhos de destaque, como Poemas e sonetos (1919), Pequena história da literatura brasileira (1919), Epigramas irônicos e sentimentais (1922), Espelho de Ariel (1923) e Estudos brasileiros (três séries: 1924-1931).
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