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Atlas: Chile

Grandes Viajantes: Violeta Parra e as belas canções de um Chile esquecido

De seu pai, Violeta Parra herdou apenas um velho violão e o gosto pela música. Quando criança, na vila de Laurato, na região chilena de Araucanía, aprendeu os primeiros acordes só de observar como tocavam os adultos. Aos 12 já compunha suas primeiras canções sem nunca ter recebido uma lição formal. Filha do professor de música Nicanor Parra e da costureira Clarisa Sandoval, o principal nome da música popular chilena cresceu em meio à pobreza e ao ostracismo do campo, junto a seus oito irmãos. Anos mais tarde, ela levaria para o mundo os versos aprendidos no interior, sem nunca perder a essência dos povoados por onde passou.

Apesar de toda a fama e reconhecimento internacional, a vida não foi fácil para Violeta. Sobreviveu à varíola, aos três anos, mas carregou as marcas para a vida. O pai alcoólatra morreu quando ela ainda era adolescente e ela teve que interromper os estudos para ajudar a sustentar a família. Na esperança de ganhar alguns trocados, aos 15 anos ela se mudou para Santiago e, com seus irmãos, se apresentava em bares da cidade por alguns trocados dos ouvintes.

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Mas as músicas de sua infância e o folclore chileno sempre foram a sua principal fonte de inspiração. Unindo-se a grupos de circo e teatro, Violeta viajou de norte a sul do país para gravar e coletar versos e cantigas populares que até então não haviam sido registradas e só se perpetuavam pela tradição oral. Ela sentia que esse era um aspecto da cultura chilena que nunca recebeu o devido reconhecimento do governo e do grande público, por ser próprio de lugares pobres e afastados da capital. Por isso, tomou para si a missão de despertar o país e o mundo para o grande valor poético e cultural da música de raiz. Ela chegou a reunir três mil canções, algumas das quais foram gravadas no disco Cantos Campesinos (Paris, 1956) e, três anos mais tarde, no livro Cantos folklóricos chilenos (1959).

Violeta Parra foi a responsável por mostrar ao mundo o valor da música popular chilena. Em 1954, depois de gravar duas de suas canções mais conhecidas pelo selo Odeón (Qué pena siente el alma e Casamiento de negros), de comandar o programa de rádio Canta Violeta Parra e de ganhar o prêmio Caupolicán como folclorista do ano, ela foi convidada a se apresentar em um Festival Juvenil em Varsóvia, na Polônia. Nessa viagem, percorreu parte da Europa e da União Soviética e acabou ficando por dois anos em Paris, onde gravou seus primeiros discos (incluindo o Cantos Campesinos, citado acima).

Violeta Parra - Chile

Com múltiplos talentos, Violeta passou a dedicar-se a outros tipos de arte no seu regresso ao Chile. Aprendeu cerâmica, pintura a óleo, tapeçaria e bordado, sem nunca abandonar a temática camponesa em seus trabalhos. Seus quadros a levaram, em 1964, a ser a primeira artista latino-americana a ganhar uma exposição individual no Louvre. Ela costumava dizer que, de certa forma, suas pinturas eram um expressão visual de sua música “Las arpilleras son como canciones que se pintan”, dizia. Nessa temporada em Paris, que foi de 1961 a 1965, a chilena viveu uma intensa história de amor com o músico suíço Gilbert Favré. Apesar de ter sido casada duas vezes antes, pessoas próximas à artista afirmam que foi Gilbert o amor de sua vida e foi para ele que escreveu algumas de suas mais importantes canções românticas.

Em suas composições autorais, Violeta adotava o tom de denúncia e crítica social que ainda hoje permanecem atuais. Seus assuntos mais recorrentes eram a burocracia das instituições, a injustiça social, a estupidez, a insensibilidade e a mediocridade humanas e os abusos que sofrem os elos mais fracos da sociedade. Seu engajamento político e defesa da população camponesa não se manifestava apenas no seu trabalho de resgate da cultura popular, mas também nas letras de suas músicas, como na canção Porque los pobres no tienen. Essa não era a única faceta da artista, que escreveu sobre temas diversos, mas é uma forte marca de sua discografia.

Gracias a la Vida, uma das canções latino-americanas mais interpretadas no mundo

Ela também se consagrou como um grande ícone da luta feminista no Chile e em toda a América Latina. Violeta se destacou em uma sociedade extremamente patriarcal e religiosa, e viveu de acordo com suas regras, paixões e vontades; se orgulhava de sua descendência indígena, não tinha medo de ser intensamente quem era, nem de dizer o que pensava diante de quem quer que fosse ou de desafiar normas sociais da época.

Chegou a dominar o guitarrón, instrumento que era considerado de uso exclusivo de homens. Em uma cena retratada na cinebiografia Violeta foi para o céu (2012), do cineasta chileno Andrés Wood, a cantora discute com o presidente de um clube de homens porque, após se apresentar para os associados, ela foi convidada a comer na cozinha. “Ela é uma mulher feminista de um país que foi o último da América Latina a permitir o voto feminino. Um país machista por definição. Ela foi uma mulher, independente de seu poder criativo, muito decidida do que queria ser. Sua obra e sua música são políticas”, afirmou o diretor para o Último Segundo.

De volta ao Chile depois da última temporada na Europa, Violeta Parra viveu a grande frustração de ver seu trabalho ser mais valorizado fora de seu país que dentro. Além do descaso oficial pelos temas folclóricos, o público tampouco parecia muito interessado nesse tipo de trabalho, não entendia sua arte e não apreciava sua personalidade franca. Em Santiago, ela chegou a abrir o centro cultural La Carpa de la Reina, para receber apresentações de música folclórica regadas a vinho, boa comida e muita dançaApesar do relativo sucesso que obteve no início da empreitada, a artista viu o público minguar cada vez mais. As salas vazias das apresentações na Carpa, a frustração com o desinteresse geral por aquilo que ela escolheu como missão de vida e o fim do relacionamento com Gilbert Favré, que se mudou para a Bolívia em 1966, são apontados com os motivos que levaram a artista a se matar com um tiro, dentro de seu centro cultural.

Seu trabalho é considerado o alicerce sobre o qual se desenvolveu o movimento estético-musical-político conhecido como Nova Canção Chilena, que fazia canções com denúncia social incorporando elementos do folclore latino-americano. Mesmo agora, no ano em que completa um século de seu nascimento, seu talento continua inspirando artistas, sua determinação segue sendo exemplo para ativistas e sua figura permanece um modelo para as mulheres latino-americanas. Sobre Violeta Parra, Neruda escreveu:

“Que amor a mãos cheias
recolhias pelos caminhos:
arrancavas cantos das fumaças,
fogo dos velórios,
participavas na mesma terra,
eras rural como os pássaros
e às vezes atacavas com relâmpagos”

– Pablo Neruda

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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4 comentários sobre o texto “Grandes Viajantes: Violeta Parra e as belas canções de um Chile esquecido

  1. Nossa que texto lindo. Conhecia a canção, mas não Violeta. Que mulher incrível, e como muitas artistas mulheres, quantas batalhas. Uma pena que tenha dado fim a própria vida… coisa que ainda acontece com certa frequência né.

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