Enquanto chefiava um grupo de soldados na Primeira Guerra Mundial, o Coronel Percy Harrison Fawcett tinha um sonho diferente: ele não queria retornar para casa, mas para um dos únicos lugares do globo que era mais perigoso que a guerra. A zona de conforto de Fawcett era o interior da selva amazônica, ou o que ele chamava de “o último grande espaço em branco do planeta”.
Nascido em meados do século 19, Fawcett passou parte da juventude em uma das muitas colônias britânicas, o Ceilão – atualmente Sri Lanka. Ele foi um típico representante da Era Vitoriana, período de governo da Rainha Vitória, que reinou entre 1837 e 1901. Essa foi a Pax Britannica, o auge dos lucros e do poderio do Império, após séculos de colonização e o começo da Revolução Industrial.
Foi nessa época, sem guerras e com muita prosperidade, que a classe média tomou forma, novas tecnologias surgiram a cada dia e a população do Reino Unido dobrou. No meio de tudo isso, pensadores mudaram a forma de ver o mundo – e ali surgiram Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx, entre outros. Também são dessa época muitas obras da literatura de exploração, como Julio Verne e sua Volta ao Mundo em 80 dias.
Ao mesmo tempo, a Real Sociedade Geográfica, sediada em Londres, começou a patrocinar milhares de expedições que buscavam mapear os cantos mais distantes do mundo. O sol não se deitava no Reino da Rainha, mas vastas partes do globo ainda permaneciam desconhecidas pelos colonizadores. Do Rio Nilo ao Polo Norte, começou uma correria sem fim em busca dos confins da Terra. Foi nesse contexto que Percy Fawcett, que já tinha tido sua cota de aventuras no Ceilão e trabalhado como espião na África, entrou na Real Sociedade Geográfica.
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Transformado em explorador e perto dos 40 anos, ele logo recebeu uma missão: rumar para a América do Sul, onde deveria mapear a região amazônica, entre a Bolívia e o Brasil, catalogar tudo o que visse e assim ajudar a traçar as fronteiras entre os dois países. Quase um ano depois, ao sair da selva, Fawcett trouxe ao mundo vários quilos a menos e relatos que incluíam anacondas gigantescas, diversos animais nunca antes descritos pelos cientistas e as dificuldades de um ambiente hostil e que o homem branco e ocidental – ao contrário das populações nativas – não conseguia dominar.
Nos 15 anos seguintes, Fawcett encarou sete longas expedições pela Amazônia. Ele ajudou a mapear a rota de rios, encontrou nascentes e fez contato com diversos povos amazônicos, com os quais tinha relação amistosa. Foi a partir dessas conversas que ele começou a formular a hipótese que se tornaria sua obsessão: a busca pelas ruínas de uma cidade perdida, que ele chamou de Z, e que teria existido no Mato Grosso, a parte baixa da Amazônia. “Há poucas dúvidas de que as florestas cobrem indícios de uma civilização perdida”, escreveu ele numa carta para a esposa.
Além de se basear na tradição oral de várias tribos indígenas, Fawcett leu os relatos dos primeiros exploradores europeus que chegaram ao continente. Neles, diversas histórias de aldeias com quilômetros de extensão, ocupando as duas margens de rios, mostravam que o Novo Mundo, antes de seu drástico encontro com o Velho, poderia ter sido mais povoado do que a América do Sul no final do século 19 e começo do 20.
E a história tinha dado a Fawcett razões para acreditar. Basta pensar no misto de deslumbramento, medo e ganância que sentiram os homens de Hernán Cortés ao se depararem, em 1521, com a grandiosidade de Tenochtitlan, a capital dos astecas. Ou quando os irmãos Pizarro entraram em Cuzco, em 1532, uma das mais belas cidades do planeta. E até mesmo a descoberta do Rio Amazonas, navegado de ponta a ponta pela primeira vez em 1541, levou fantasia para o coração da Europa – será que o ocidente tinha, enfim, redescoberto o Jardim do Éden?
Foram séculos de descobertas – algumas cuidadosamente aumentadas, mentira por mentira, por uma mistura de relatos exagerados de exploradores e a interpretação literal de mitos indígenas. Com isso, a Amazônia chegou aos tempos modernos com um recorde difícil de ser batido: a floresta é o endereço certo de inúmeras cidades incertas. Na selva sul-americana, incontáveis pessoas perderam suas vidas procurando por Eldorado, por Z ou por Paititi, a lendária cidade que teria sido o último refúgio dos incas. É como escreveu o colombiano William Ospina, em o País da Canela:
“Não se sabe quem anda mais extraviado, se quem persegue bosques vermelhos de canela ou quem busca guerreiras amazonas nuas, se quem sonha com cidades de ouro ou quem vai no rastro da fonte da eterna juventude: nascemos numa idade estranha em que só nos é dado acreditar no impossível, mas buscando essas riquezas fantásticas terminamos todos transformados em pobres fantasmas”.
Mas, se para Fawcett, as Grandes Navegações e suas conquistas eram passado distante, em pleno século 20, o mundo se assombrou mais uma vez com descobertas de contemporâneos do explorador. Em 1911, o arqueólogo Hiram Bingham entrou em Machu Picchu, esquecida do mundo até então. Uma década depois e enquanto Fawcett preparava mais uma expedição em busca de Z, Howard Carter acordava Tutancâmon no Vale dos Reis.
E foi assim, em pleno século 20, que a humanidade voltou a sonhar com reinos lendários e cidades de ouro. As aventuras dos exploradores, por terra, mar ou ar iam parar nas capas dos jornais. Não foi diferente com Fawcett, que se tornou uma celebridade e, em sua última expedição, mandava relatórios para redações de jornais a partir da selva.
Nas tentativas anteriores de alcançar Z, Fawcett se viu forçado a desistir. Numa delas por causa do começo da Primeira Guerra Mundial, em outras ele saiu da selva por problemas de saúde. Peixes elétricos capazes de matar cavalos, piranhas que despedaçavam vivas pessoas inteiras e sapos pequenos, mas extremamente venenosos, eram alguns dos desafios da Amazônia, mas nenhum era pior que os pernilongos. Com as picadas vinham doenças, como a malária e a febre amarela, e depois vermes, bactérias, a loucura e muitas vezes a morte.
“Eles nos atacavam em nuvens. Éramos forçados a fechar os dois lados do abrigo com rede contra mosquitos. Ainda assim, as mãos e o rosto logo se transformavam numa massa de pequenas chagas sangrentas que coçavam sem parar.”
Percy Fawcett, em Exploração Fawcett
Se os animais e as doenças costumavam afetar os integrantes das expedições em dias, outro grande desafio em caminhadas que duravam meses e passavam por dentro da selva mais fechada do mundo era a fome. “Morrer de inanição parece algo quase inacreditável numa floresta, mas era o mais provável de acontecer”, escreveu Fawcett em seus diários.
Aos 57 anos e vendo a força se esgotar, ele resolveu fazer uma última tentativa de encontrar Z. Para isso convocou seu filho, Jack Fawcett, e um amigo dele, Raleigh Rimmell. Patrocinados por jornais dos Estados Unidos e pela Real Sociedade, eles entraram mais uma vez na Amazônia – a expedição partiu de Cuiabá em abril de 1925. Um mês depois o coronel mandou a última carta para a esposa, que chegou aos correios por meio de índios. “Estamos entrando em território inexplorado. Ficaremos um longo tempo ser dar notícias”, escreveu um dos maiores responsáveis pelo mapeamento da Amazônia. Os três nunca mais foram encontrados.
Se já era famoso antes, Fawcett virou uma lenda após seus desaparecimento – mais ou menos como Z. E as inúmeras expedições seguintes, tentativas frustradas de resgate, gravaram de uma vez por todas o lugar de Fawcett no imaginário popular. Vários exploradores desapareceram após entrarem na selva em busca dos três companheiros.
Numa das primeiras tentativas de resgate, ainda na década de 1920, foram encontrados, com índios, objetos que tinham pertencido a Fawcett. A imprensa – que transformou o caso numa espécie de reality show – logo afirmou que aquela era a comprovação da morte dos expedicionários. A família de Fawcett, porém, alegou que os objetos poderiam ter sido vendidos, dados de presente ou mesmo descartados, o que já tinha acontecido em outras ocasiões.
Em 1952, Cláudio e Orlando Villas Bôas ouviram dos kalapalo, que vivem na região onde Fawcett sumiu, a história de três exploradores que tinham sido assassinados pelos índios, décadas antes. Ossos foram encontrados e levados para testes, que nunca foram conclusivos, mas que tinham um claro problema: os restos não correspondiam ao tamanho de nenhum dos três homens.
Décadas mais tarde, o jornalista norte-americano David Grann conversou com descendentes dos índios que tinham assumido o assassinato e apontado a localização das ossadas. E mais uma versão surgiu: os kalapalo teriam admitido o crime apenas por pressão do governo e sabiam que os ossos não eram do explorador, mas de outro índio – eles pediram, inclusive, os restos de volta. Segundo eles, os pesquisadores provavelmente foram assassinados, mas por outra tribo.
A esposa de Fawcett passou o resto da vida aguardando o retorno do marido e do filho. Nesse meio tempo, a teoria do britânico de que haveria uma cidade perdida no meio do Xingu foi ridicularizada – para muitos, Fawcett cometeu o mesmo erro de tantos outros aventureiros e preferiu acreditar nas pistas falsas de mitos, mentiras e relatos exagerados dos primeiros conquistadores. A fé de Fawcett e textos dele que eram mais, digamos, religiosos tornaram ainda mais difícil acreditar na teoria de Z. E do sumiço dos europeus surgiu outro mito: de que o explorador teria achado a cidade, mas que intenção dele nunca foi voltar, mas viver naquele mundo.
Nos anos 1990, o arqueólogo norte-americano Michael J. Heckenberger foi viver com tribos do Xingu. Após anos de pesquisa, ele apresentou a descoberta de uma aldeia que tinha muros de proteção e estradas que ligavam a outras tribos da região. Segundo os pesquisadores, existiu, sim, uma grande cidade nessa região da Amazônia, mas não com pirâmides ou no formato em que estamos acostumados a pensar.
Ossos que seriam de Fawcett
A Cidade Perdida de Z na cultura pop
Além de outras expedições e gerações de pesquisadores, a vida e a morte de Percy Fawcett inspiraram incontáveis livros, reportagens, músicas e filmes. O trabalho mais recente é Z, A Cidade Perdida, livro do jornalista norte-americano David Grann e que virou o filme de mesmo nome, produzido por Brad Pitt e lançado em 2017. Outra obra que vale ler é Esqueleto da Lagoa Verde, do brasileiro Antônio Calado.
Mas dois dos maiores ecos de Fawcett estão em obras importantes da cultura pop: a história dele inspirou a de Indiana Jones. E também foram as aventuras de Percy Fawcett que levaram ao livro O Mundo Perdido, de Sir Arthur Conan Doyle – o escritor e o explorador eram amigos de longa data. Em sua obra, que se passa na Amazônia brasileira, Doyle relata as aventuras de pesquisadores em busca de um platô onde ainda viveriam dinossauros. Qualquer semelhança com a série Jurassic Park não é coincidência.
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